Artur Luiz Andrade   |   06/07/2021 13:15   |   Atualizada em 06/07/2021 13:29

Editorial da semana: a difícil arte de dialogar

Abav e agências não associados se veem em lados opostos, mas defendem as mesmas causas


Editorial está na Revista PANROTAS 1.478
Editorial está na Revista PANROTAS 1.478

Abav e não associados não enxergam uns aos outros.
E talvez isso nunca aconteça


A reportagem e o editorial da edição 1.476 aqui na Revista PANROTAS mostraram que o Turismo abraça a diversidade de vozes e que é feito de profissionais que esbanjam disposição, desprendimento (a grande maioria não ganha para militar ou atuar no associativismo) e paixão por esse setor.

E a reação à reportagem e ao editorial reforçou que, sim, estamos evoluindo, mas vivemos a era das bolhas, onde a vaidade e a falta de empatia (que geram o ranço destacado no editorial) continuam fortes e ativas.

Acreditamos fortemente no projeto da entidade única para o Turismo como um todo. Que trate de estratégia e continuidade. De longevidade e inovação. E que as associações fiquem com mais tempo para cuidar de seus associados ou, se preferirem, com tempo para continuarem cultivando ranços e lustrando suas bolhas.

E que fique claro nesse texto que desagradará a alguns, por falta de interpretação ou por resistência a olhar diferente: acreditamos, e vamos lutar por isso, que representatividade é fundamental e que a Abav, como uma das principais e mais sérias associações de Viagens e Turismo no Brasil, deve ser a voz oficial dos agentes de viagens em várias frentes. A luta organizada, embasada e com recursos faz a diferença.

Acreditamos também que uma associação deve se dedicar a seus membros, mas que, setorialmente, também tem responsabilidade com o todo, já que fala oficialmente com autoridades sobre uma classe. E há um mar de vozes que precisam ser ouvidas com empatia e que já estão contribuindo e podem contribuir muito mais com a luta que é de todos, com objetivos comuns, com o Turismo como indústria.

Ou seja, um lado fortalece o outro. Se souberem se ouvir, se entender, se enxergar. A Abav como uma associação renovada e repleta de entregas como há muito nãos e via. Os grupos de WhatsApp e redes sociais como ativistas, a voz das ruas, o pulso do setor.

Para muitos, o texto até aqui está de bom tamanho e o recado está dado. Para outros, que querem um debate mais profundo, e polêmico, segue a versão estendida e ampliada.

RECONHECIMENTO
Em cimas das reações ao tema (entidade e grupos de WhatsApp), buscamos analisar o que estaria acontecendo para que essas vozes (as oficiais e as informais, organizadas ou não), que teoricamente querem o mesmo – a evolução do Turismo, a proteção e fortalecimento dos agentes de viagens, mais competitividade, mais inovação nos negócios – não consigam sequer ouvir umas às outras. Escutar mesmo. Entender o porquê, algo que vai além das suas próprias razões, de sua própria história. As bolhas se veem, mas não se enxergam.

Os não associados à Abav (e vamos focar na maior e mais importante entidade do agenciamento e do Turismo, reforçando a tese de termos menos entidades e mais representatividade para a Abav) não identificam na associação de classe a agilidade, a modernidade, a proximidade e a percepção de pertencimento (a um grupo) que os movimentos de WhatsApp e das redes sociais trouxeram. Eles não se veem na Abav e não enxergam na associação uma força que possa representá-los. Não estamos dizendo se está certa essa visão, mas reconhecendo um sentimento real.

Nos grupos “informais”, não tem presidente (essa figura, também teoricamente, pomposa, poderosa e distante). Tem organizador, coordenador, porta-voz talvez. E mais de um. E para participar basta digitar um comentário, que raramente fica sem resposta, que geralmente é absorvido ou refutado de imediato. A Abav representa os agentes de viagens, mas muitos não enxergam isso, seja por causa da forma, do conteúdo, ou dos dois, somados ao ranço (antigo) que cega e emburrece. Ranço que pode ter razão, pois assim como vemos gente mal intencionada ou investindo em seu negócio apenas nos grupos de WhatsApp, uma associação também tem maus gestores e maus presidentes.

As vozes não associadas, muitas marginalizadas, seja geograficamente ou por causa do tamanho de seu negócio, não têm a experiência associativa. Não sabem o que já foi o Congresso da Abav. Não têm o histórico de lutas da entidade. Não estão bem informadas sobre o que a Abav faz, e ela faz muito. Uma falha com certeza desses players que se distanciam do associativismo, mas também uma falha da entidade, que se afastou dos não associados, parte do mesmo trade. Como se estivessem em andares diferentes de um prédio cheio de labirintos.

E essa falta de experiência, a ausência de uma estrutura formal e a pouca representatividade oficial levam esses grupos a serem tanto ativos quanto ingênuos, tanto “reclamões” quanto corajosos ao tocarem em temas que as entidades oficiais, por vários motivos, não tocam ou não querem abordar.

São vozes organizadas em grupos menores (bolhas em algumas vezes, pois também nesse espaço informal há quem esteja apenas ali para aparecer ou vender algo), que cultivam ranço não somente das entidades, mas muitas vezes de outros grupos. Mas são a parte ativa do Turismo. A voz das ruas que o governo, qualquer que seja, nunca pode deixar de ouvir.

Um lado do Turismo que não se vê representado pelas associações não porque as entidades não façam nada, mas porque não há uma ponte, não há reconhecimento, não há acolhimento com a linguagem dos novos tempos. Talvez o peso de décadas de uma Abav esteja impedindo uma leveza e modernidade que fale com as novas gerações, tão legítimas e importantes quanto as que construíram e constroem o Turismo. Uma leveza com é mandar uma mensagem por WhatsApp, que pode ter áudios irritantes, gifs fofos e inúteis, mas também conteúdo que pode levar a novas ideias e estruturas, formas de interagir.

E essa ponte (Abav e os outros) já não existia em 1982, quando agências de viagens do Interior de São Paulo criaram a Aviesp, porque não eram ouvidas por uma Abav focada nos grandes e nos da capital. Somente agora, em 2021, quase 40 anos depois, as duas entidades voltam a ocupar o mesmo espaço de fala e de lutas de forma única absoluta, sem duas sedes, dois presidentes, dois CNPJ. O que não quer dizer sem conflitos. Unir é difícil. Ter uma só voz pode ser doloroso. Abrir mão de vaidades é para os santos, mas um pouquinho os humanos conseguem sim.

O mesmo vale para os freelancers ou consultores independentes, que nunca foram chamados para conversar pelas entidades, nunca foram alvo de um projeto de legalização, de incentivo à formalização. E estão aí sendo apoiados por empresas de tecnologia, por operadoras. Vinte anos depois serão criticados por ilegalidade, informalidade ou por viverem à margem?

Faltam pontes e não é de hoje.

ENTIDADE INCOMPREENDIDA

A incompreensão também atinge a Abav (como “vítima” nesse caso). Entidade consolidada e séria, com décadas de atuação e lutas, a Abav é vista injustamente como dinossauro por muitas vozes do Turismo. E muitas mesmo, já que a entidade conta com 2,2 mil associados (já teve quase 4 mil), enquanto, como vimos na edição da Revista PANROTAS, o número de agências no Brasil é bem maior que isso. Que não sejam os 70 mil identificados pelo Sebrae, nem os 2,2 mil da própria Abav, se forem 20 mil, significa que quase 18 mil estão “do lado de fora”, quase que por conta própria.

Podemos (nós do Turismo) nos dar ao luxo de não olhar para eles? Afinal, a imagem de um setor é feita por todos esses 20 mil. Inclusive pelos 18 mil que são beneficiados sim pelas conquistas da Abav pelo setor, mas muitas vezes não enxergam ou entendem isso. Alimentando sim um ranço injustificado pela associação. “Ai a Abav não faz nada”, mas você conseguiu reembolsar ou remarcar a viagem do seu cliente na pandemia, com prazos de mais de um ano, por causa da Abav. “Ai a Abav serve para quê?”. Serve para que você, associado ou não, fosse incluído no Perse e em tantas outras medidas no pós-pandemia. Se o projeto de lei da Responsabilidade Solidária que a Abav conseguiu incluir na pauta do Congresso passar, não serão apenas os associados que se beneficiarão. E sim, todo o setor.

A Abav vive uma síndrome de falta de reconhecimento pelo trabalho árduo e difícil que faz, e que leva tempo. Mas isso é um ônus de qualquer liderança. E pode ser parcialmente resolvido.

A Abav teve maus presidentes? Com certeza. Assim como nos grupos de WhatsApp há quem esteja apenas militando em causa própria, querendo apenas o “poder” ou status que está nas mãos da Abav. Aproveitadores e maus gestores existem nos dois lados, mas curiosamente esse boom dos grupos de WhatsApp, favorecidos pela pandemia e pela desconstrução das relações via meios tecnológicos, vem exatamente quando a Abav está em seu melhor momento de gestão.

A presidente Magda Nassar é uma unanimidade por sua clareza em relação ao setor, seu trabalho incansável, suas posições ora firmes ora políticas, sabendo lidar com o tempo e o jeito do governo. O mesmo vale para as estaduais, onde temos um Fernando Santos em São Paulo, vindo exatamente da Aviesp, Lucia Bentz, no Rio Grande do Sul, levando sua experiência em viagens de luxo e em como estar conectada com os clientes, ou Luiz Strauss, no Rio, com sua expertise no corporativo. Experiências que se somam e formam uma entidade completa e forte. E há muitos outros exemplos, de diretores ou associados da Abav, que contribuem, que estão ativos dentro da entidade. Vide o recente grupo de trabalho de Viagens de Luxo.

Essa coincidência (mais críticas em um momento de conquistas) não pode abalar o rumo novo que Magda e sua diretoria – e os associados – deram à Abav. Pelo contrário. O momento talvez seja único e breve para que mais profissionais participem das entidades, e coloquem suas vozes naquele ambiente estruturado e oficial perante o governo. Para que as lutas realmente se somem. E não se embacem, se esbarrem, se anulem.

As vozes do WhatsApp são importantes para gerar essas ideias que precisam ser oficializadas no ambiente das associações. Uma coisa não exclui a outra. Talvez, usando uma imagem da própria Magda, os dois grupos estejam em tempos e velocidade diferentes. Falta só uma tecla SAP, um calibrador, uma máquina de sincronização. Para todo mundo ouvir e dançar a mesma música.



TODOS PRECISAM QUERER

Mas para dar certo (nem vamos chamar de união, mas a comunhão ou convivência produtiva do trade), a Abav precisa querer enxergar essas outras pessoas. De verdade. Não esperar que elas se dobrem ao histórico da entidade. Não esperar que todos reconheçam de imediato o trabalho da Abav. Isso requer tempo, aprendizado e vontade (para esses que ainda não entendem o que é a entidade). É como a luta da diversidade em nossa sociedade: reconhecer, aceitar e entender o outro, sabendo que o mundo nunca foi branco ou preto, velho ou jovem, homem ou mulher, mas que um sistema perverso e injusto decidiu que sim, que era preciso deixar alguns de lado. A luta agora é pela sociedade diversa e coesa, coexistindo, compartilhando.

No Turismo é o mesmo. Respeito e incentivo à diversidade de ideias e visões.

Já os profissionais não associados a qualquer entidade precisam entender que é necessário estar dentro do jogo, dentro das associações para reclamarem, sugerirem, participarem, construírem juntos. E produzirem resultado. Criar uma nova entidade é uma alternativa? Sim, se o objetivo for dividir e lutar pelo poder (veja o exemplo da hotelaria, que nem de longe fala a mesma língua como as entidades de agenciamento fazem entre si).

Não acreditamos que sejam os R$ 80 por mês que separam esses profissionais da Abav. E sim a visão que eles têm da mesma. Uma visão parcialmente equivocada e parcialmente construída pelos erros da entidade no passado (como na assinatura do acordo com as empresas aéreas, que não incluiu a RAV no on-line – mas isso é outra história e também inclui cenários e forças com que a associação teve de lidar naquele momento. Nada de jogar pedras aleatórias no passado, pois elas podem nos pegar no futuro).

MESMA CAUSA
É como se vários grupos estivessem lutando pela mesma coisa, mas em idiomas e formas diferentes, o que os torna inimigos, quando não são. Um não se vê no outro. “Essa entidade não me representa” pode significar “essa entidade não me inclui, não fala a minha língua”. E por outro lado, “esses grupos de WhatsApp não sabem o que estão falando” pode querer dizer “esses profissionais precisam estar aqui dentro para entenderem como tudo funciona e colaborarem de fato”. O que não quer dizer que todos têm de estar na Abav e a Abav tem de ouvir todos. Cada um tem seu momento, necessidades e formas de ver e viver o Turismo. Mas não podem se ver como antagônicos e inimigos. Ou o “sistema” se aproveitará disso, não a favor dos agentes de viagens.

Se continuar assim, um lado não irá nunca escutar e enxergar o outro. E nem entender que estão do mesmo lado. E esse nunca pode ser mais real que imaginamos.

A Abav precisa de mais leveza, mais agilidade e mais proximidade com a voz das ruas. Descer um degrau e ser mais leve ou subir um degrau e atuar de forma mais plural e ágil.

Os grupos de WhatsApp precisam de menos raiva e usar a indignação em medidas propositivas (como muitos já o fazem, mas isolados). Precisam entender que estar dentro da entidade fortalece a todos e para mudar as entidades é preciso estar ativamente dentro delas. Do contrário, mais uma Aviesp será criada, mais divisão será evidenciada e menos força terá a categoria. Precisam descer um degrau na contundência em relação à Abav e subir outro em relação ao nível dos debates e à vontade de colaborar.
Não é fácil, para nenhum dos “lados”, ainda mais em um mundo de ranços, vaidade e luta por sobrevivência. Mas é possível.

BRASIL NÃO AJUDA
Curiosamente mais uma vez, vivemos no Turismo um espelho das guerras políticas que vemos nas redes sociais. O governo Bolsonaro fez um bom trabalho no Turismo com o ministro Marcelo Álvaro Antônio, que montou uma equipe eficiente e próxima do trade no ministério. Mas isso não pode ser falado, ou seremos considerados bolsominions (Deus nos livre). O governo Lula, que criou o Ministério do Turismo e a Anac, fez um trabalho admirável olhando pela primeira vez para os mais pobres do País. Mas se dizemos isso somos petista, comunista (e não queremos queimar no inferno, não é mesmo?).

No Turismo, a Abav, e temos de citar o nome da Magda Nassar, deu uma guinada na sua história e na relação com as demais entidades (com apoio da Clia e da Braztoa especialmente) e com o governo. Uma guinada que já valeu o mandato e os votos recebidos. Conquistou medidas e melhorias para associados e não associados. Mas quando dizemos isso somos puxa-saco da Magda e da Abav. Somos mainstream.

Já os grupos de WhatsApp trouxeram um frescor e uma dinâmica invejável para o Turismo. Há players interessados e dispostos, que mesmo com ingenuidade e inexperiência, estão com vontade e agindo. Mas se dizemos isso estamos incentivando vaidades e desconhecidos.

Vamos chegar em um acordo?

Se as pontes não forem construídas agora, com armas no chão, mentes abertas e ranços neutralizados, as mudanças, de um lado e de outro, virão à força, na marra. E em vez de pontes precisaremos de visto para falar um com os outros, ou nenhum dos lados estará mais aqui para contar essa história, pois uma terceira alternativa pode se aproveitar desse momento de divisão e caos, e estabelecer novas regras. Mostrar um admirável mundo novo.

Há esperança? Somos todos Turismo ou Somos Todos bolhas de Turismo?

Por fim, destacamos, e que fique bem claro, que essa reflexão se destina ao debate, em prol do agenciamento de viagens e do Turismo como um todo. E é uma análise feita por um player que vive o Turismo 24 horas por dia há mais de 46 anos e que não faz parte de nenhum dos dois lados. Nem sente as dores e conquistas na pele como eles, mas que sabe ouvi-los e tenta retratar a evolução do Turismo por meio dessas e de outras falas, que, no final das contas, são as que constroem o Turismo brasileiro.

Aqui, #SomosTodosTurismo e o Turismo é múltiplo, forte, associativo, diverso, inclusivo e de muitas vozes e olhares.

Por fim, o espaço, como sempre, está aberto aos citados nesse texto e a quem queira contribuir com o debate".

Artur Luiz Andrade, editor-chefe e CCO.

Leia a Revista PANROTAS completa abaixo.

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