Filip Calixto   |   21/11/2022 12:10
Atualizada em 21/11/2022 17:48

Para fundador da Diáspora.Black, Wakanda está aqui

Carlos Humberto da Silva Filho, da Diaspora.Black, fala sobre o potencial econômico da população negra


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Carlos Humberto Silva Filho, um dos fundadores da Diaspora.Black
Carlos Humberto Silva Filho, um dos fundadores da Diaspora.Black
Plataforma fundada com o propósito de valorização da cultura negra e hoje com uma série de serviços turísticos que enaltecem o Turismo afrocentrado, a Diaspora.Black é atualmente uma das empresas que mais e melhor promovem a participação de empresários e turistas negros na indústria de viagens. Representando a startup, um dos fundadores da companhia, Carlos Humberto Silva Filho escreveu um artigo comentando o potencial econômico da população negra na atividade turística.

Utilizando o exemplo do recém-lançado Pantera Negra 2, o empresário conta como tem percebido o mercado e chama a atenção de empresas do setor para o tamanho e a capacidade de consumo que a população negra dom país tem.

O artigo na íntegra pose der lido a seguir.
"Artigo: Wakanda está aqui
Havia prometido ao meu sobrinho e minha irmã que assistiria junto com eles ao Pantera Negra 2, assim que fosse lançado no Brasil. Essa promessa já tinha mais de dois anos, mas não foi esquecida por eles, só por mim. O filme entrou em cartaz nos cinemas nacionais na primeira semana de novembro. Sabendo que eu estaria no Rio, na semana de lançamento, minha irmã garantiu os ingressos para que eu não furasse essa promessa.

Encontrei eles em um shopping da Zona Norte, para assistir à última sessão do Wakanda Para Sempre. Para minha total surpresa, ao chegar no cinema, em uma região periférica da cidade, grandes filas se formavam para todos os lados, na bilheteria, na pipoca e até no banheiro. Fiquei perplexo ao constatar que a sessão acabaria por volta da meia-noite, e muitas crianças, adultos e idosos que disputavam as filas estariam cedo no dia seguinte em suas jornadas de escola, trabalho e vida cotidiana. A euforia por ver o novo filme era tanta que todos pareciam não se incomodar com o horário e a lotação.

Wakanda Para Sempre bateu o recorde de bilheteria já na primeira semana, com faturamento de US$330 milhões, o que representa, R$1,75 bilhão, mantendo assim o sucesso da edição anterior produzida pela Marvel. De fato, as pessoas que lotavam o cinema, entre negras, brancas, crianças acompanhadas por pais e avôs, adultos e seguidores fiéis vestidos com camisetas, fantasias e produtos licenciados do Pantera Negra representam um movimento que vem crescendo no mundo. Em diferentes mercados globais, a população e a cultura negra estão em evidência e isso vem fomentando indústrias de diferentes setores como do entretenimento, beleza, moda, streaming - e o turismo não pode ficar de fora.

Compreender as mudanças na sociedade é a estratégia mais eficiente para compreendermos os mercados do futuro e isso já vem acontecendo no Turismo. Neste ano, a população da África Subsariana ultrapassou a marca de 1 bilhão de habitantes. Entre os países mais negros do mundo está a Nigeria, com 211 milhões de habitantes, e em segundo lugar, o Brasil com mais de 115 milhões de habitantes pretos e pardos, de acordo com o Censo 2010. Essas pessoas representam mais de 91% da população negra em toda a América Latina. Quando compreendemos a dimensão desta população em África, na América Latina, no Brasil e no mundo, podemos enxergar um grande oceano de oportunidades.

Para o Turismo, essa população representa uma grande potência para construção de atrativos e destinos, como de consumidores de produtos representativos. Mas será que estamos construindo as estratégias certas?

Hoje, o Brasil recebe menos turistas que todas as Ilhas do Caribe juntas! Em 2019, a região recebeu mais de 35 milhões de turistas estrangeiros, enquanto o Brasil recebeu menos de 7 milhões (Ministério do Turismo). Para este ano, o país projeta receber 4 milhões de estrangeiros (Embratur, 2022), enquanto a República Dominicana, mais de 7 milhões.

Quais atrativos teriam no Caribe que não tenhamos em multiplicidade no Brasil? Nosso litoral é continental, com mares de diferentes cores e paisagens naturais que esbanjam beleza e diversidade. Também temos as belezas culturais, gastronômicas e arquitetônicas que compõem a cultura caribenha. Seja a música, a gastronomia,
as coloridas camisas tropicais masculinas, ou ainda os colares de flores de boas vindas, que se assemelham à chegada na ilha da fantasia - todos esses aspectos culturais são de origem afro e índigena.

Então fica a pergunta, por que as belezas naturais e culturais caribenhas conseguem atrair quase 5 vezes mais turistas? Essa pergunta na verdade pode ser a maior pista do que ainda podemos otimizar para promover o crescimento da pratica do turismo no país. De fato, o crescimento do turismo depende de demandas estruturais tais como investimento, planejamento e preparo, por outro lado, temos os grandes ativos que compõem nosso grande diferencial social que está em nossa diversidade.

CONSUMO DA POPULAÇÃO NEGRA

Para expandir o Turismo, o consumo da população negra é um grande oceano de oportunidades. Não podemos deixar de compreender duas dimensões: uma econômica, cuja participação dessa população no consumo nacional foi de US$ 3,4 bilhões no PIB de 2019, segundo dados do Instituto Locomotiva e do potencial de novos atrativos que essa vasta população pode promover para atrair novos visitantes.

Esses atrativos na verdade são o que temos de mais extraordinário, pois estão permeando as raízes deste país, estão nas manifestações culturais, gastronómicas, paisagísticas, arquitetônicas, na formação das cidades e de nossas identidades. Estão em áreas de preservação, em comunidades tradicionais, em manifestações artísticas e em infinitas possibilidades de promover o turismo de experiência.

Enxergar esse potencial é olhar para o Futuro do Turismo nacional que pode crescer ainda mais. Desde 2018, esse mercado vem indicando o potencial de crescimento. Naquele ano, um conjunto de organizações (BernarTour, Rota da Liberdade, Guia Negro, Black Bird, Brafika, entre outras) em parceria com a Diaspora.Black realizaram o primeiro encontro da Rede de AfroTurismo. Foram mais de 180 organizações, entre consulados, embaixadores, companhias aéreas, agências de viagem, operadoras, pesquisadores e empreendedores do turismo. Reunidos no Inovabra, sede da Diaspora.Black, pautamos a demanda por diversidade de atrativos nos destinos diante de uma busca crescente do público.

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"Enxergar esse potencial [o da população negra] é olhar para o futuro do Turismo nacional que pode crescer ainda mais", avalia Carlos Humberto
Desde então, o segmento só cresce. Em março, a Diaspora.Black realizou o Laboratório Criativo de Roteiros, para fomentar a criação e desenvolvimento de roteiros e experiências turísticas focadas na valorização da cultura negra. Foram mapeadas mais de 100 iniciativas em todas as regiões do país, entre circuitos urbanos, quilombolas e indígenas. Os empreendedores participaram de um ciclo de formação e em menos de seis meses diversas cidades abraçaram novos roteiros que contam a história da população negra com resultados expressivos a cada mês.

São iniciativas incríveis como a Caminhada Juiz de Fora Negra (MG) organizada por Da Mata Produções; a Quilombos Históricos de Santos, organizada pela Augusta França, em Santos(SP), a Vivenciando Caiana, da Associação de Mulheres do Quilombo Caiana dos Crioulos, em Alagoa Grande(PB); a Caminhada Mulheres Negras SLZ (MA) organizada pela Lekti Livraria; a Caminhada Olinda Negra (PE), organizada pelo grupo por Afoxé Alafin Oyo; a Rotas Afro Campinas (SP), organizada pela Rota Afro, além da Vivências AfroEcológicas (RJ), organizada pelo Ilê Oxum Apará.

São produtos que estão promovendo o crescimento do Turismo em diferentes cidades brasileiras, mas são muitas e muitas outras iniciativas com saídas periódicas, que vem atraindo moradores das cidades onde estão sediadas, pessoas de outras cidades, estados e países. Esse movimento vem crescendo e demonstra um mercado com muito espaço e potencial para fazer a economia girar.

TRADE PRECISA SEGUIR JUNTO

Porém, não basta promover o diferencial se o trade não estiver preparado. Há riscos reais para esse mercado, com o total despreparo da indústria para esse segmento, tanto para promover novos atrativos associados a patrimônios da população negra, como para receber esse potencial consumidor que busca experiências representativas.

Na contramão desse movimento, se multiplicam abordagens racistas em atendimentos no receptivo pelo País afora. Situações essas que repercutem rapidamente nas redes sociais, na imprensa e trazem manifestações e rejeição aos espaços envolvidos. É natural que profissionais, gestores e pensadores do trade nacional não tenham essa formação, pois ela não esteve presente nos currículos técnicos nas últimas décadas. Mas os consumidores estão mais atentos aos seus direitos e podem repercutir rapidamente um atendimento despreparado. Não dá mais para negar a necessidade de qualificação das equipes para oferecer um atendimento inclusivo, empático e socialmente responsável. Nesta visão de fomentar o melhor preparo, a Diaspora.Black lançou um selo que trás treinamentos em vídeo aulas curtas, gamificadas e com certificação para promover atualizações nas diretrizes de boas práticas para o receptivo e setores de serviços.

Assim como a aglomeração nos cinemas para conhecer o novo Pantera Negra, aqueles que investirem no turismo Afro vão encontrar mais resultados com maior velocidade.

Uma estimativa feita pelo Laboratório Criativo de Roteiros em 2022, mostrou um investimento ainda muito tímido nos últimos 5 anos em negócios do AfroTurismo. Foram cerca de R$ 20 milhões em investimentos dos setores públicos e privados. A maior parte deste investimento foi realizado na capital baiana e a empresa que capital maior investimento venture capital até aqui foi a Diaspora.Black.

Um movimento que a Cidade de Salvador já compreendeu e está investindo diretamente há mais de 5 anos, com uma parceria entre Prefeitura e BID. Com a curadoria da Diaspora.Black, a cidade irá promover um dos maiores eventos do Trade na capital baiana em 2022, com o objetivo de reforçar Salvador como a maior capital afro global.

O projeto Salvador Capital Afro já investiu mais de R$15 milhões na cidade, com formações a empreendedores e ações de visibilidade e promoção. A Diaspora.Black foi a primeira empresa de Afro Turismo a captar, em sua primeira rodada, R$ 600 mil reais e hoje a empresa está avaliada em mais de R$13 milhões. Estes investimentos sinalizam um retorno 20 vezes maior ao investimento.

De fato, minha irmã foi assertiva em garantir nossa ida, pois não fomos os últimos a descobrir quem é o Pantera Negra."

Em virtude do mês da Consciência Negra e do dia nacional, celebrado ontem (20), a PANROTAS publicou uma sequência de artigos refletindo sobre o papel dos profissionais negros no contexto atual do setor. Publicaram também artigos a respeito do tema:

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